Miriana Machado, PhD – CTO InnVitro
Cannabis sativa é uma planta que possui mais de 400 ingredientes ativos, dentre os quais destacam-se Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC) por serem os compostos majoritários e por apresentarem importantes e reconhecidas propriedades farmacológicas.
Mundialmente, produtos à base de cannabis medicinal estão sendo utilizados para uma ampla variedade de condições como dor crônica, epilepsia, insônia, esclerose múltipla, doenças músculo-esqueléticas e vários tipos de distúrbios do Sistema Nervoso Central, entre outros. Resultados promissores estão sendo observados para tratamento patologias severas, como por exemplo síndromes epiléticas em crianças. Além disso, estudos clínicos para diferentes doenças têm mostrado efeitos terapêuticos mais potentes e com menor incidência de efeitos adversos e/ou mais brandos de produtos à base de cannabis do que medicamentos clássicos utilizados para as mesmas desordens.
Embora existam muitos produtos à base de cannabis sendo utilizados em diversos países, até mesmo como alimentos e cosméticos, até o momento poucos foram registrados como medicamentos. Nos EUA, Canadá, Europa e Austrália os medicamentos existentes são indicados principalmente para tratamentos de epilepsia, de náuseas associadas à quimioterapia, de anorexia associada à perda de peso em pacientes com AIDS, de espasmo muscular e dor neuropática associada à esclerose múltipla.
No Brasil, 18 produtos medicinais à base de cannabis possuem atualmente autorização sanitária da ANVISA para sua fabricação e importação. Estes produtos contêm o fitofármaco CBD ou extratos de C. sativa com diferentes concentrações e proporções de CBD e/ou THC. Conforme dispõe a RDC 327/2019, com a autorização sanitária, os produtos poderão ser importados e comercializados em farmácias e drogarias no Brasil. No entanto, até o momento nenhum produto foi registrado como medicamento.
A autorização sanitária terá a duração de cinco anos e, durante este período, a empresa detentora deverá realizar o registro do produto como medicamento fitoterápico, medicamento específico ou medicamento novo. A definição do tipo de medicamento deverá ser feita com base na caracterização do produto e, dependendo do tipo de medicamento a ser registrado, o desenvolvimento do produto deverá seguir resoluções específicas, sendo que um ponto primordial e que se aplica a todos é a comprovação da segurança e eficácia do produto.
Em relação à avaliação de segurança dos produtos à base de cannabis, assim como é exigido para medicamentos sintéticos, a comprovação da segurança deve ser feita com base em dados toxicológicos de estudos pré-clínicos e clínicos. Os principais aspectos relacionados à avaliação de segurança das três classes de medicamentos estão resumidas na figura.
Basicamente, as principais diferenças entre a avaliação de segurança das três classes de medicamentos são relacionadas à possibilidade de utilização de dados de produtos equivalentes ou não. Para medicamentos fitoterápicos, documentos técnico-científicos podem ser considerados como suficientes pela ANVISA, desde que estes sejam representativos (robustos e oriundos de produtos equivalentes ao medicamento em questão). No entanto, para medicamentos específicos ou novos, dados de produtos similares são considerados como adicionais, não sendo substitutivos aos testes de segurança realizados como o próprio produto.
Cabe salientar que para os três tipos de medicamentos, quando é aplicável a realização de estudos não clínicos para a avaliação do perfil toxicológico do produto, os estudos devem seguir os requisitos técnicos e de qualidade dos guias oficiais publicados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e devem ser realizados por laboratórios credenciados que sigam os Princípios das Boas Práticas de Laboratório – BPL. Enquanto os estudos clínicos devem seguir a RDC 9/2015 e guias complementares.
A avaliação da segurança de medicamentos à base de cannabis é um processo que envolve a análise de vários aspectos, que variam de acordo com o tipo de medicamento a ser registrado (fitoterápico, específico ou novo). Além disso, a realização de estudos não clínicos e clínicos e a montagem de Relatórios Técnico-Científicos com a apresentação e discussão de todos os dados demandam tempo, investimentos financeiros e conhecimento técnico-científico em toxicologia.